4 de maio de 2018

V de Verônica - Capítulo 4

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Fomos chamadas. A audiência ia começar. Entrei, sentei-me de frente ao escrevente judiciário. Minha mãe permaneceu do lado direito da mesa de madeira, retangular, ao passo que o promotor de justiça ficou do lado esquerdo. O juiz estava atrás de sua escrivaninha num deck superior um pouco a frente, a minha esquerda. A sala era ampla, bem arejada e bem pintada, de branco.
— O nome da senhora? — foi a primeira pergunta do juiz.  
Pensei no meu nome verdadeiro e quase me trai. Respondi:
— Verônica Albuquerque Gonçalves. 
— A profissão?
— Comerciante. 
— A senhora está sendo processada pelo crime de Omissão de Socorro e sua prisão preventiva foi decretada como medida de segurança. O objetivo desta audiência não é saber se houve crime ou não, mas averiguar as condições da prisão. A senhora foi maltratada pela autoridade policial? 
— Não senhor. 
— Certo. Doutor Cícero? 
— Excelência, o Ministério Público se manifesta no sentido da manutenção da prisão da acusada. Devido a peculiaridade do caso, até que mais provas sejam produzidas, entendo que ela deve ser mantida sob custódia. 
— Doutora Valéria?
— A defesa requer a liberdade da acusada, uma vez que é primária, tem domicílio certo e emprego, não havendo nada que a desabone. A prisão é medida última, devendo ser adotada apenas nos casos em que o acusado represente perigo à sociedade. Não é o que se evidencia no presente caso, Excelência. 
O juiz deslocou sua cabeça levemente para o lado a fim de ver minha mãe. Sorriu e disse:
— Doutora, embora seus argumentos sejam válidos, não podem ser aplicáveis ao caso. Há, como posso dizer? Variáveis. Até que se verifique o grau de perigo que a senhora Verônica efetivamente representa é prudente mantê-la sob vigilância.
 — As pessoas não são inocentes até que se prove o contrário? Não há provas contundentes de que esta menina possa fazer o que dizem que pode. Apenas um dossiê de um repórter de índole questionável. 
— Repórteres são perigosos, doutora Valéria. Eles domam o povo. As pessoas lá fora já julgaram sua cliente. 
— Vossa Excelência vai fazer o mesmo? 
O juiz fez uma careta. Respondeu:
— De forma alguma. É para ter um julgamento justo que vou acatar a manutenção da prisão.
— Isto é um absurdo! Já ponderou que esta menina não matou ninguém? Que ela tem família; trabalho. É evidente que ela é humana, merece ser tratada com dignidade. 
— Não sabemos se ela é humana, doutora Valéria. Depois dos exames, se for constatado que ela realmente é uma cidadã, posso reavaliar o caso. Por ora, a prisão está mantida. A audiência está encerrada. 
Minha mãe não retrucou, mas não deixou de manifestar sua indignação. Ali mesmo, pouco antes dos policiais entrarem para me escoltarem ela me disse:
— Fique tranquila. Vou fazer um novo pedido de liberdade. Dessa vez por escrito e vamos brigar com isso até a última instância se for preciso! 
Eu sorri para ela pouco antes da porta se fechar atrás de mim. Levaram-me de volta ao Salão do Júri, onde Meire e outros policiais me aguardavam. No caminho, porém, fui impedida de chegar ao meu destino por repórteres. Eles nos cercaram a disparavam perguntas, ao mesmo tempo em que esticavam os braços com gravadores, celulares e microfones. Os policiais forçaram passagem, mas tive tempo de ouvir algumas perguntas, tais como “é verdade o que o Marcelo escreveu sobre você?”, “o Governo Americano é o responsável pelas experiências?”, “Há outros?”, “você é alienígena?”
No meio de todos aqueles braços eu vi a pessoa que esperei noite passada; que eu tinha certeza que viria e não veio. Bem, eu não estava errada quando supus que não o deixariam entrar. 
— Verônica! — ouvi nitidamente a voz de Felipe. 
Tentei parar, mas minha escolta forçou o passo e me empurrou para o Salão do Júri.  
— Esperem! Tem alguém que preciso ver lá fora! — eu falei aos policiais. 
Meire se aproximou e com gestos questionou os policiais sobre o que estava acontecendo. Eu mesma respondi:
— Alguém importante para mim está lá — apontei para a porta.
Felipe era importante. Um companheiro, um amigo. O único. 
Ele era professor e trabalhava na Escola Estadual próxima a minha loja. Gostava do que fazia, ajudar as pessoas, sabe? Escolheu a profissão pelo fator humanitário e não o financeiro, permanecendo muitas horas e quase todos os dias na escola.   
Nos conhecemos no dia em que ele passou no meu estabelecimento para comprar um livro. Foi aí que me contou de seu trabalho. Falamos de outras coisas também. 
Ocorreram mais visitas a pretexto de comprar o jornal diário. Fomos conversando sobre assuntos variados. Eu lhe indicava alguns livros, ele comprava todos. Certo dia, Felipe comentou comigo que haveria uma festa beneficente na comunidade em que residia; que eu era sua convidada especial. 
Depois daquela noite nos tornamos mais próximos. Ele era um homem religioso e isso me deixa um pouco envergonhada. Sou egoísta? Felipe não é. 
Ele tinha trinta anos, não possuía carro ou moto e sempre me dizia que era bobagem gastar dinheiro com isso se possuía boa saúde para pedalar e dinheiro para pagar coletivos. Era engraçado que em nossos encontros (se é que posso chamar assim), passávamos um tempo gostoso dentro de ônibus. Conversávamos muito nessas oportunidades. Era como ser adolescente para sempre por mais irônico que isso possa parecer. Felipe era alguém que tinha uma alma jovem, cheio de esperanças; que acreditava na humanidade.


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