15 de maio de 2018

Fora do Tempo de David Grossman


Transformando dor em arte

Creio que das dores mais intensas e constantes que alguém pode sentir, perder um filho ocupa lugar de destaque, se não o pódio. Lidar com a vida, após a tragédia é tarefa difícil e por vezes angustiante, pois trata-se de luto que não passa, de tempo que não muda. O que cada um escolhe fazer nesta situação é fundamental; David Grossman, pacifista, jornalista e autor israelense, resolveu fazer arte. O resultado? A obra Fora do Tempo, talvez única da perspectiva adotada. 

Fora do Tempo é uma fantasia complexa, escrito em diálogos/versos ao estilo epopeia clássica que narra a história de um pai, inicialmente chamado de Homem, mas depois de Caminhante que decidiu viajar para "Lá", a fim de reencontrar o filho falecido. Em sua jornada ele vai conhecendo outros personagens excêntricos, como o Anotador dos Anais da Cidade (o narrador do livro), Centauro, Parteira, Duque e Sapateiro, cada qual com sua própria história de luto. 

Trata-se de uma história de difícil interpretação, seja pelo modo adotado pelo autor em sua construção, seja pela tradução do hebraico para o português. Os diálogos são construídos em versos curtos, secos e diretos que lembram à poesia. Aliás, muitas falas podem ser interpretadas isoladamente como odes ao luto, à dor, saudade e nostalgia. Grossman que também é filósofo tem uma visão singular sobre o morrer. 

A impressão que se tem ao chegar às últimas linhas das 130 páginas de Fora do Tempo é a de que a dor produz arte; de que a experiência por pior que seja fornece os argumentos necessários para se expressar no mundo; deixar o relato e a homenagem que no presente caso é bela e única. Não se trata de um livro que conta a história de um pai que perdeu um filho e sente sua falta como muitas outras já escritas, mas sim a de um pai que se transforma a cada dia, se inventa para tentar estancar o ferimento aberto pela perda do ente amado. Metáforas e outras figuras de linguagem empregadas com exatidão para justificar uma vida que perdeu massa importante. 

A Literatura de David Grossman é prova de que um escritor pode fazer o que bem entender com suas palavras; pode escolher no que transformar um dor pungente. Um livro triste, mas não por isso menos belo. Fica a resenha e a dica. 

Abraço!
Paul Law          

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