9 de fevereiro de 2017

O Primeiro Capítulo de Edissa


I
O Encontro com Rei Remorso

Edissa caminhou por muitos dias sem rumo certo. Ela andou sem nada de importante para encontrar e se encontrasse não faria muita diferença. Estava doente e para os doentes tudo parece ruim. 
A moça de idade pareada a de uma adolescente de quinze anos, possuía cabelos negros, compridos e formados por grandes cachos, mas o que chamava a atenção de quem a via eram os dedos em carne viva por causa da doença. Havia também feridas grandes que pipocavam sua pele pálida. Iam dos braços até as pernas, na altura dos joelhos. Seus olhos avermelhados eram emoldurados por maquiagem forte e o rosto por algumas cicatrizes, ao passo que os lábios eram contornados por batom negro. Feridas secas, mas algumas novas preenchiam sua testa e bochecha. Trajava um vestido maltrapilho preto com alguns detalhes em vermelho que deixavam seus ombros descobertos. Andava sempre descalça. 
Que tinha? Pensava consigo. As pessoas agora tinham repulsa de sua presença. Viam-na como lixo humano e talvez fosse mesmo algo dessa natureza, mas estava tão evidente assim?
Numa dada altura de caminhada, Edissa viu uma carruagem estacionada. Revoada de corvos veio do horizonte, chegavam aos muitos e voavam em círculo sobre sua cabeça. O crocitar foi estarrecedor e só perdeu volume quando a porta da carruagem negra se abriu, revelando um homem velho de capuz marrom e de lanterna na mão. Os corvos saudaram seu senhor com rasantes e os cavalos relincharam.
— Saudações, Edissa! Que belos olhos você tem! — Aproximou-se o velho com essas palavras. 
— Estou doente! O senhor sabe como posso ser curada? 
— Pois é certo que sei! Foi por isso que vim! 
— Ah que alívio! Minhas feridas doem! 
— Venha em minha carruagem e te levarei para a Vila do Arrependimento, local onde reino. Lá haverá um modo de curá-la! 
Edissa achou estranha aquela proposta:
— Vila do Arrependimento? E para que serve?
— Para abrigar aqueles que se arrependem, não é óbvio? Eu sou Remorso, senhor do Arrependimento! 
— O que é arrependimento? 
Remorso suspirou e corvos pousaram em seu ombro:
— Toda vez que fazemos algo e depois desejamos não ter feito é arrependimento! A culpa por aquilo que fazemos e depois achamos errados, me entende?
Edissa abaixou a cabeça:
— Entendo. Agora sei a razão da sua visita. Sou mesma alguém que carece viver na Vila do Arrependimento. 
Remorso deixou o sorriso amarelo saltar da sua face coberta por capuz. Os corvos voaram e ele disse:
— Em meu reino todo mundo é igual a você! São pessoas que se arrependem em vão. Em vão porque já é tarde para elas. 
— Da mesma forma que é para mim — Edissa continuava com a cabeça baixa. 
— Exatamente! Arrepender-se por aquilo que já foi feito é sempre tardio. Como poderíamos voltar no tempo e não fazer aquilo? Não há como! 
— Não há mesmo.  
— Então venha, criança! Permita-me levá-la ao meu Império de Arrependimento. Suba em minha carruagem! 
Edissa levantou sua mão ferida para que Remorso lhe ajudasse na subida. Galgou o primeiro degrau e depois se sentou, seguida de seu novo conhecido. A porta se fechou e a carruagem começou a se mover. 
Ao ganhar impulso, os cavalos alçaram voo e Edissa admirou da janelinha as árvores e vilarejos que se faziam lá em baixo. Quando estava quase anoitecendo, os cavalos voadores iniciaram a decida rumo às terras de Rei Remorso. Pararam em frente a uma escadaria de mármore que antecedia a entrada de um vasto palácio dourado:
— Mas que bonito! — admirou Edissa.
— Estamos no centro do Vale da Culpa e ao nosso redor estão todas as pessoas de que falei! Estão todos os que se arrependem! Vivem aqui. — disse Rei Remorso, explicando que ficava no castelo enquanto todos os outros permaneciam no aparente vilarejo que se fazia em volta. 
— Meu senhor — Edissa se voltou para o rei —, quando poderei receber minha cura?
O velho sorriu malicioso e por um instante pareceu que iria curar Edissa instantaneamente:
— Eu menti sobre curá-la — Rei Remorso virou de costas e fez um sinal para os soldados que guardavam a entrada do seu castelo. — Levem-na! — disse por fim.

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