17 de novembro de 2015

OS HUMANOS E A HABILIDADE DE INVENTAR


Sempre surpreendentes. Bélica passou com o dorso da mão sobre os lábios machucados. Dor. Sangue. O metal vivo escondido dentro de si se espalhou por todo o corpo e a transvestiu de espinhos. Era agora um pitoresco cavaleiro das trevas. A espada brotou da palma da mão. Os quatro agressores estavam paralisados. Quando o cérebro recuperou discernimento, fugiram. O metal negro foi recolhido automaticamente da cabeça da deusa.
— Eu não os entendo, embora seja capaz de falar todas as línguas.
Estava na Terra a fim de entender como aqueles primatas haviam se transformado tanto. Quando chegou ali, não eram diferentes dos outros animais que povoavam o planeta.
Bélica era a denominação que lhe deram. Tinha a ver com suas habilidades naturais. A diferença substancial entre ela e os donos do planeta Terra, era apenas biológica como toda e qualquer boa diferença. Sua missão era de campo, fazia milhões de anos. Registrar o desenvolvimento da humanidade sem qualquer interferência direta.
A armadura sumiu completamente. Ela retornou para sua alma e deixou exposto outra vestimenta: o corpo humano, negro, saudável, no ápice da virilidade, simulado dos dados colhidos em pesquisa.
— Ok, Sublime, acho que não há mais nada para ver aqui.
Sublime era ficção humana relacionada a outro indivíduo de sua espécie. Bélica estava ali por tanto tempo que se acostumara a usar o modo humano de fazer referência. Para ela e Sublime as referências são feitas de outra maneira. Explicar para os homens estas coisas é muito complicado, porque são criaturas completamente diferentes. Lembrou-se de uma vez que tentou explicar ao Papa Leão IV quando defendia Roma:
— Eu sou o que sou, não há mais nada. 
Na época o chefe de Estado entendeu que ela estava se autodenominando Deus e não havia pecado maior para a igreja. Foi expulsa das tropas e condenada à morte. Quando a sentença foi executada, no entanto, o metal demoníaco que lhe cobria o corpo em batalha tornou-se intransponível. 
Sublime achou o episódio engraçado.
— Eles criaram uma ideologia com base em você e tentaram me matar por sermos da mesma espécie — argumentou Bélica.
— Já me mataram, não se lembra? 
— Você quis experimentar a morte humana. Está satisfeita? Podemos ir?
Sublime não tinha um corpo físico desde que experimentara a morte. Nem posicionava-se em um ponto fixo no tempo, de modo que saltou das lembranças da irmã para o presente.  Podia criar um corpo novo se desejasse, mas preferia utilizar a forma livre para existir. Os humanos chamam isto de inspiração, de premonição ou intuição. Os humanos religiosos, de presença de Deus. 
— Ainda não. Há algo que precisamos entender. Embora não sejam como nós, os humanos criam coisas — falou-lhe Sublime. 
— E destroem.
— Temos que levar ao nosso povo essa habilidade de inventar. Já reparou que eles se mantêm por causa dela? Eles conseguem acreditar em algo que não existe.  
— Isto me assusta.
— A mim também.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo. Seu comentário é muito importante!