24 de setembro de 2015

Tomo XVII - A morte de Xamã


Toda vez que era gravemente ferida, Mae sentia a dor de morrer, mas nunca era o sofrimento derradeiro. Ali, sendo baleada, ensanguentada, quebrada em vários lugares preferia a morte. Os ouvidos úmidos identificavam a euforia, a crueldade. Novos tiros, abriam novas feridas. Os olhos ainda identificavam o mestre sendo fuzilado. Ocorreram sucessivas perdas de consciência. 
Quando o cérebro conseguiu se manter ativo por tempo considerável, identificou amarras, nudez e praça pública. Estava no canto esquerdo, no centro Xamã. Dançavam lá embaixo, era noite. 
Uma festa. O que aconteceu com Damian e os outros bandidos? Bruce, aquele traidor. Um homem de farda branca notou que ela recuperara a consciência e se aproximou.
— Que bom que acordou, docinho. Não queríamos que perdesse a melhor parte da festa. 
Xamã mantinha-se inconsciente, os joelhos dobrados. Mae o chamou, em vão. As pessoas riam e apontavam para ela. Alguns jogavam pedras. Quando uma a atingiu na testa, o filete rubro voltou a escorrer do seu rosto. Sentiu vontade de chorar, não era forte o suficiente. 
A euforia aumentou, Roland Morrison subiu ao palco onde estavam os bandidos. Ele vestia um terno dourado, cuja estrela prateada reluzia na parte esquerda do peito. A gravata borboleta também era amarela, o chapéu: branco. Pediu silêncio. 
— Povo de Prime, boa noite. Temos aqui dois bandidos, um inclusive, o mais famoso deles: Xamã — apontou para o homem inconsciente. — Nós os pegamos com a ajuda de um deles, agora preso a fim de ser julgado posteriormente. Quanto a estes dois, pensei em fornecer a vocês a possibilidade de julgá-los. 
As pessoas que ocupavam toda a praça manifestaram contentamento. Morrison pediu silêncio.
— Xamã e o seu pessoal saquearam várias cidades. Mataram muitas pessoas. Hoje é o dia de pagar por isso. Minha pergunta é: devo executá-lo em praça pública ou não? 
Um terrível e sonoro sim invadiu os ouvidos de Mae Dickson. O som alto despertou o líder dos bandidos que não compreendeu o que estava acontecendo. 
— Muito bem — continuou o xerife — Primeiro ele ou ela? — apontou para os pistoleiros amarrados.
— Ele! — gritaram todos.
Mae se debateu inutilmente, enquanto gritava a palavra não. Xamã, por sua vez, ergueu o queixo e encarou a morte de frente. 
— Tragam-me a espada — falou Roland. 
Mais euforia enquanto um policial se aproximava com uma catana envolvida em um pano vermelho. 
Roland ordenou:
— Tirem-no do poste. 
Os policiais desamarraram Xamã do pau de arara e amarraram suas mãos para trás. Deram um chute em suas pernas para que se ajoelhasse. Mae chorava, proferia palavrões. 
— Eles vão chutar a sua cabeça! Vão destroçar o seu corpo imundo, sabe por quê? Porque são furiosos, violentos e egoístas. Cadê os seus poderes místicos agora, Xamã? 
Então o líder dos bandidos virando o pescoço para poder ver ainda que de soslaio o seu algoz, disse:
— Você terá o meu corpo, mas jamais o meu espírito! 
— Eu não preciso mais do que da sua humilhação. O que acontecerá aqui, servirá de exemplo para outros como você — ele desembrulhou a espada do manto branco.
O xerife de Neo Texas ergueu a arma branca e mirou o pescoço do homem nu em sua frente. Com as duas mãos em riste, esperou por uns segundos. Depois desceu o braço e a espada com violência, mas não conseguiu desprender a cabeça do corpo. O sangue espirrava a cada tentativa de respirar que Xamã realizava. Houve espasmos que Morrison acompanhou pacientemente. O líder dos bandidos rastejou sobre o próprio sangue por um tempo, mas depois parou de se mexer. 
A multidão bateu palma e gritou para que fosse arrancada a cabeça. Morrison se abaixou e agarrou os cabelos do caído. Passou a lâmina sobre o ferimento aberto e a friccionou para terminar o seu serviço. Levantou a cabeça de Xamã. Pouco depois, jogou-a à plateia. 
Eles brigaram entre si para chutar o pedaço do executado. Mae já não tinha mais lágrimas e sabia que seria a próxima. Por mais que desejasse ter uma postura digna, tal qual o seu mestre, sabia que não conseguiria. Tinha certeza, também, que por ser mulher a sua sentença teria partes extras. E se a jogassem à multidão enlouquecida?
Quando a sua mente alcançou esta dedução, um disparo espalhou os presentes. Gritos, a cabeça de Xamã desfigurada abandonada sobre a areia.
Um bandido foi avistado em cima do telhado do bar. Policiais sacaram suas armas e dispararam contra ele. Roland ao perceber que estava sendo atacado, deixou o palco por entender que o local era um alvo fácil. Seguido de outros policiais foi se abrigar em um lugar seguro. Em outro local outro disparo foi ouvido. Dessa vez um projétil atingiu o peito de um policial distraído. 
Mae não soube dizer de onde Damian surgiu, mas não conseguiu conter o alívio em vê-lo. 
— Aquele filho da puta — Wayne dizia enquanto desamarrava a companheira. 
A pistoleira o abraçou com forças que até então julgava não ter. 
— Vamos sair daqui. Coloquei os novatos para distrair os policiais. Ao final desta noite seremos só nós dois.

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