19 de agosto de 2015

Tomo XIV - Bruce Parker e eu


Mae argumentou com o parceiro enquanto corriam para fora da delegacia sobre o fato do xerife ter deixado a cela destrancada. Bruce esclareceu que um homem como Vander não pensaria na possibilidade dos seus prisioneiros virarem o jogo. 
— Ele tinha tudo planejado. Amarrou-nos já com o intuito de me matar e de te violentar. Depois soltaria você e as trancas teriam utilidade — finalizou. 
— Que bom que está morto — Mae comentou.
— Fique atenta. Há mais policias na cidade.  
 Quando a notícia da morte de Thatcher chegou à população o trabalho com os pescados foi interrompido. Quem estava agora no comando? Alguns tiros eram ouvidos vez ou outra revelando que ainda estavam decidindo a questão. As ondas quebravam sobre a areia da praia também impaciente em relação ao futuro. Os pescadores se protegiam em suas cabanas ou barcos. 
Pouco antes do anoitecer o Padre John observou da janela da capela dois pistoleiros cambaleantes se aproximando da igreja. Em seguida ouviu as batidas na porta. Abriu a igreja já consciente de que estava diante dos novos donos da cidade. Os pistoleiros entraram no estabelecimento. 
— Bem-vindo a Nova, senhores. Sou o reverendo John. 
— Sua benção, padre — Bruce beijou a mão do religioso. 
O padre forçou um sorriso. Mae já estava sentada num banco da igreja e uma poça de sangue se fazia embaixo das suas botas. 
— Vai parar, não se preocupe — falou Bruce ao perceber a cara de espanto do reverendo. — Preciso que o senhor avise que não há mais policiais na cidade. Quero todos os homens que trabalham reunidos na praça central amanhã pela manhã para as novas regras. 
— Mais alguma coisa?
— Os corpos dos policiais avermelhados. Preciso deles. Depois quero que nos deixe a sós. 
— Perfeitamente.
O padre saiu da igreja com a velocidade que a idade lhe permitia. Bruce se voltou para Mae no banco. 
— Aguente firme. Com os corpos vou resolver o seu problema. 
A mulher maneou a cabeça devagar. Foi a última coisa que fez antes de perder a consciência. 
Um trovão e Mae acordou num pulo. Chuva sobre o teto da capela, vento lá fora. O lençol foi afastado, estava nua. Não havia mais ferimentos em seu corpo, agora observava pela luz trêmula de velas. Colocou-se sentada. Estava sobre o altar. Sentia-se bem. Amarrou o lençol, que agora identificava como uma toalha, sobre o busto e desceu. Bruce estava de costas para ela com os olhos atentos na vidraça. Vestia uma batina negra. Os corpos de Frank e Cris estavam no chão. 
— Diga, Mae, por que não quis o seu filho? — o caubói não tirou os olhos da janela. 
A moça não esperava por aquela pergunta, embora tivesse pensado nisso por inúmeras vezes. A verdade? Ela teve medo de odiá-lo. 
— Ele era filho do homem que eu mais odiei no mundo. Eu quis matá-lo por tantas vezes. Eu o matei, você sabe. 
— Eu daria tudo para ter a minha filha de volta — ele se virou, tinha lágrima nos olhos. 
— Eu sinto muito.
— Sente? Que porra de mulher é você? 
— Não sei. Tive medo, ódio, não sei dizer. Que vida eu poderia dar ao meu filho? 
Ele se aproximou. Exalava vinho. 
— Uma em que vocês ficariam juntos. 
Ele forçou os próprios lábios aos dela. Inicialmente, Mae tentou afastá-lo, mas depois se rendeu ao beijo inesperado. Queria tanto agradá-lo, redimir-se por algo que ele julgava errado. Daria um filho para ele se fosse preciso. Cuidaria deste novo filho, tinha certeza. Viveriam os três em alguma fazenda, se ainda existissem lugares assim. Lembrou-se da mãe, do pai e dos irmãos. Sentiu saudade. 
Quando o dia amanheceu o sol se esforçava para apagar os vestígios da chuva anterior. Deixando sob o teto de cerâmica da capela feixes intrusos atingiram o chão. O dia estava quente, Mae despertou. Esfregou os olhos, nenhum sinal do homem que estivera com ela. Que sensação era aquela? Sorriu, ao abraçar os ombros e por um momento percebeu que podia amar Bruce Parker. Logo repensou a constatação e teve medo. Podia sofrer muito com a perda de Bruce Parker. O mundo era assim, já havia lhe dado provas suficientes de como as coisas mudam bruscamente. Extremos, sempre. Quando maior, mais dolosa é a queda. Isso é ser humano.  

Era quase noite novamente quando Bruce e Mae chegaram a Tenda. Vinham com vários cavalos e mantimentos. Pescados. Três habitantes de Nova seguiram os bandidos no intuito de fazer parte da Tenda. Os outros ficaram em Nova, agora terra de ninguém. 
— Encha o seu galão, Xamã — Parker apontou para um corpo pendido sobre um cavalo. — Vander Oliver Thatcher está até a tampa de avermelhamento. 
— Bom trabalho, Parker. Conseguimos também um galão da comitiva que ia para Liandra.
— Vê se dessa vez escolha bem quem avermelhar — o caubói fuzilou Mae com os olhos.
Afastou-se.
— Que há com ele? — Xamã voltou-se para Mae. 
— O problema dele sou eu. 
O velho gargalhou. 
— O problema dele é mesmo você.  

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