24 de julho de 2015

Tomo XII - Bem-vindo a Nova


O jantar era especial. Havia carne trazida por Bruce e Damian, os pistoleiros recém-chegados à Tenda. Haviam conseguido uma quantidade razoável de carne sintética saqueando uma comitiva que viajava para Neo Texas. Havia dinheiro e algumas peças de roupas. Nenhum milímetro de líquido avermelhador fora encontrado, no entanto. Mae já estava dormindo.
— Parece que está cada vez mais raro achar galões de avermelhamento — comentou Damian enquanto mordia o seu pedaço de carne. 
— Uma hora isso tinha de acabar — Xamã cutucou o carvão da sua fogueira. 
Bruce não perdeu a chance:  
— E você desperdiça com a escrava de Madison.   
Xamã zangou-se imediatamente.
— Por causa desse seu comentário irá com ela invadir Nova. 
— Você só pode estar de brincadeira — Bruce Parker riu cinicamente. 
— Não quer o líquido de volta? Pois então! Se ela morrer você recupera o que desperdicei. 
— Eu daria tudo para estar lá, Xamã — alfinetou Damian.
— Eu e você ficaremos. Tenho informações de que uma comitiva de Liandra passará pelo deserto. Deve ter coisa boa. Vamos roubá-la.        

Bruce e Mae rumaram até a cidade de Nova para saqueá-la. Sabiam que não se tratava de missão fácil, já que Nova era um importante portuário e complexo de pescados. A capital deveria ter colocado homens bem treinados ali. 
— Por que você? — perguntou Bruce o pistoleiro mais sério entre os bandidos que ainda não havia entendido os motivos do seu líder. 
Mae deu de ombros. Vestia-se agora as mesmas cores do companheiro, distribuída num colante vincado exageradamente no busto. Xamã havia dito que aquilo poderia causar distração nos inimigos e dar-lhe vantagem. 
Bruce Parker jogou a bituca do seu cigarro. 
— Acha que aguenta o tranco?
Mae suspirou. O caubói continuou:
— Tudo bem que perdemos o Ted em sua cidade, mas havia outros que podiam ser avermelhados. O pessoal da Tenda espera pacientemente por essa oportunidade. 
— Fale com Xamã. Eu não pedi nada — ela tentou enganar o companheiro e a si mesma sobre sua responsabilidade. 
— Eu já fiz isso. Você deve ter percebido que Xamã não é coerente. Eu jamais teria avermelhado uma mulher que abandona o próprio filho. 
Mae tocou o cavalo para voltar a Tenda. 
— Não dá pra fazermos isso juntos — foi o que disse. 
Bruce continuou olhando o horizonte. 
— Não temos líquido para todo mundo. Invadimos as cidades em busca de mais. Pague sua dívida conosco me ajudando a conseguir o líquido que Xamã desperdiçou em você. 
Mae retomou a posição anterior.
— Se vamos fazer isso, vamos logo — ela tocou o seu cavalo com as esporas. 
O caubói acompanhou a novata. 
Talvez por fúria a pistoleira não se preocupou com a estratégia. Galopou veloz por entre a areia que antecedia Nova, visando os portões principais. No entanto, antes que pudesse adentrar na cidade, o seu cavalo empacou. Ela também perdeu os movimentos do corpo, permanecendo apenas os dos olhos, desesperados. 
Bruce estava longe em cima do seu cavalo especial. Sacou das costas o rifle com mira telescópica. Pelo portão aberto Mae identificou o avanço de cinco policiais todos bem armados. Um primeiro disparo a acertou no peito e a derrubou do animal. Por quantas vezes veria o próprio sangue? Ainda não podia se mover. Os inimigos vinham rápido. Bruce mirou calmamente. Um disparo e imediatamente Mae sentiu voltar-lhe os movimentos. Rastejou na direção do comparsa. Levantou-se e correu. Um novo disparo a atingiu na coxa. Novo tombo.
Parker apontou o rifle para os policias em movimento. Um disparo e o mais próximo de Mae teve a cabeça atravessada pelo projétil. O cavalo galopou desgovernado. A pistoleira do chão sacou os dois revólveres e disparou contra o que buscava a posição do franco atirador. Ele caiu morto. Ela se levantou, mas uma estranha dor lhe invadiu completamente fazendo-a de joelhos. Era na cabeça? 
— Ei, novata! — Parker gritou — Cuidado. 
Cuidado? Ainda de arma em punho ela atirou contra outro policial, derrubando-o. Bruce exterminou mais um com seu rifle.
O último veio veloz em seu animal, portando uma escopeta. Ele mirou na pistoleira, mas um projétil de Bruce acertou o seu ombro, fazendo-o errar a investida. Mae atirou com o a sua arma, acertando-o na testa. Ele caiu. A dor ainda se fazia presente. O que ela significava? 
Avermelhados. 
Avermelhados? Bruce aproximou-se com o seu cavalo. Estendeu a mão para que Mae subisse em sua garupa. 
— Vamos — ele disse. 
Avançaram para dentro de Nova. Mal ganharam a rua principal e um pequeno míssil explodiu próximo estraçalhando o cavalo e seus ocupantes. Aquilo que pendia dos seus braços era pele? Músculo? Mae não podia compreender o que estava acontecendo. Os sentidos, confusos. Estava surda? Bruce também estava ferido, mas parecia calmo. Permaneceu deitado enquanto sua perna dilacerada se recompunha.
— Oh, merda — o caubói fez careta de dor — Policiais avermelhados. Dois, é muita coisa. 
Era verdade, Mae sabia. Havia dois policiais estranhamente familiares. Como se fossem feitos da mesma coisa que ela; alma-gêmeas. Os desgraçados eram bons. Terrivelmente bons.
— Estou com medo, Bruce. 
— Não está — o pistoleiro dobrou as pernas já angariando forças para se levantar. — É a reação com os nano-robôs inimigos. 
Eles estavam ali. Dois policiais devidamente fardados de branco. Caminhavam tranquilamente sobre a rua de terra. O de tamanho descomunal portava o lança-míssil, obeso, calvo, de olhos brilhantes em vermelho. Ao seu lado caminhava outro de chapéu branco que cobria os seus cachos dourados. Tinha os olhos claros e pintados por maquiagem. Usava batom nos lábios e tinha um corpo afeminado. Na cintura portava duas armas douradas.                
— Precisava causar todo este alvoroço, Frank?  
Era uma mulher? A voz era de uma. Mae e Bruce a este tempo já se encontravam em pé, mas escondidos atrás de um cocho.
— Saiam, bandidos! — o grandão posicionou sua arma exagerada. — Ou vou explodi-los daqui mesmo. 
— Vamos — Bruce pegou a mão de Mae. — Não podemos nos esconder deles. O confronto é nossa única chance. 
A dupla de pistoleiros ganhou as dependências da rua central. Frank sorriu.
— Ali estão os nossos prêmios, Cris. 
— Eu fico com Bruce. A cabeça dele já vale um bocado em Neo-Texas. — respondeu-lhe o parceiro policial. 
— Eu pego a vadia. Pelo menos vai rolar diversão. — Frank apontou o lança-míssil em direção de Mae Dickson. 
Antes que a explosão se fizesse a bandida saltou para a varanda de uma residência. Bruce também conseguiu se esquivar com facilidade, afinal não era o alvo principal. Cris o fitava com satisfação já de revólver em punho.
— Isso vai ser excitante — falou o policial. 
Num movimento rápido disparou contra Bruce que se defendeu atirando de volta. Os projéteis colidiram no ar e se espalharam. O pistoleiro policial descarregou seus tambores de balas, mas o bandido consegui interceptar todos os disparos. Cris avançou para o corpo a corpo de faca em punho. Bruce desviou da primeira investida, mas a segunda perfurou o seu olho esquerdo a rasgou sua bochecha. Ele levou a mão ao ferimento e acabou tomando um chute entre as pernas. Estava de joelhos quando o policial investiu mais uma vez com sua faca, cravando-a em seu peito e abrindo um ferimento horizontal. Ele tombou para o lado. Perdia muito sangue. 
— Muito bem meu bandido. Agora o tiro na cabeça para garantir que essas merdas de robôs não funcionem mais. 
Cris recarregava a sua arma quando um míssil a partiu em pedaços. Mae empunhava a arma de Frank que jazia a poucos metros. Ela caiu de joelhos. Suas tripas se esfregavam na terra árida. Maldito policial! Ainda não acreditava que havia vencido. Depois do disparo inicial, enquanto Frank recarregava sua arma, Mae avançou contra ele. Quando o inimigo percebeu sua aproximação tentou se defender com o machado que portava preso às costas. Mae avançou mesmo quase partida ao meio, subindo pelo corpo desajeitado de Frank e atirando várias vezes contra a cabeça do grandalhão. Ainda houve tempo de usar o lança-míssil para salvar Bruce. 
Podia morrer feliz. 

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