6 de julho de 2015

Tomo X - A tenda


Mae nunca havia cavalgado por tanto tempo. Na verdade, sequer estado num dorso de cavalo, de modo que aqueles dias de viagem foram horríveis. Ela e Xamã na imensidão do deserto buscavam as instalações atuais dos bandidos. Enquanto descansavam à noite, Mae não podia deixar de notar o brilho verde-neon das veias do seu companheiro. Era uma imagem bonita, dava-lhe um destaque especial no deserto, embora não parecesse humano.
— Efeito visual — ele explicou enquanto acendia a fogueira — Verde relaxado, vermelho sob ataque. Yin e Yang.
— Mais coisas que gritam a você?
Ele sorriu de satisfação. Depois apontou para o céu:
— Olhe, estrelas. Elas também brilham, Mae. São lugares distantes. Será que está tudo bem por lá? Também fazemos parte delas e elas de nós.
— Xamã, ainda não compreendi o motivo de ter me trazido. Apenas fiz uma pergunta e se não quer respondê-la, tudo bem.
— Há uma coisa interessante no fato de você estar seguindo comigo. Há muito se dizia que aquele que não sabe a qual direção seguir, qualquer caminho lhe será apropriado.
Mae suspirou e se aconchegou sobre o velho trapo que lhe servia de cama. O velho mexeu no fogo com uma vareta.
— Amanhã tudo fará sentido, não se preocupe.
Foi assim mesmo que ocorreu. Apesar de não tão simplório quanto a conclusão possa parecer. Por volta do meio dia seguinte a dupla encontrou o acampamento dos bandidos. Estava no meio do deserto, mas tinha água, cavalos e tendas. O nome não podia ser outro: A tenda. Era um tipo de comitiva de cavaleiros que avançava pelos desertos de Novo Oeste protegida por pistoleiros avermelhados. Atualmente três: Xamã, Damian e Bruce. Estes bandidos saqueavam cidades em busca de dinheiro e alimentos para os demais ocupantes da Tenda.   
— A lei do 30, Mae — explicou Xamã, enquanto cavalgava lentamente entre as tendas. — Todas essas pessoas sabem bem que é assim que as coisas funcionam e por isso estão conosco. Elas buscam proteção e sabem que depois que partimos das cidades não demora para as coisas voltarem a ser como antes. Um novo xerife, recomeço da exploração assegurado pelos malditos policiais. 
Chegaram a uma carroça maior estava à frente e destoava das tendas. A porta ficava aberta e havia um divã metálico no centro, além de uma estranha máquina posicionada lateralmente. Em cima dela um galão com líquido verde, brilhante.
— Aqui está a belezura que me deu as marcas — ele sacou o revólver. 
Mae ficou confusa. Tentou deixar o lugar mas as pessoas que estavam ali a seguraram. Xamã apontou a arma para o seu peito. Mandou retirar toda a roupa ou lhe mataria ali mesmo. Ela o fez com lágrimas nos olhos.
— Eu não sei como explicar sem mostrar, Mae. Deite-se.
Quando a garota se deitou, não imaginou que estava prestes a sofrer um tipo grotesco de cirurgia. Foi amarrada ao divã. Ouviu um homem dizer:
— Preciso de duas emendas de pulso — ele passou o bisturi sobre o punho de Mae, abrindo-o até a palma da mão.
Não havia anestesia de modo que ela se debateu freneticamente na tentativa inútil de se livrar daquilo. O sangue lhe escorria abundantemente.
— Quanto mais mexer mais sangue vai perder. Fique calma, estamos apenas respondendo à sua pergunta.
Apesar de toda a dor e do desespero por não saber o que estava acontecendo, as tentativas inúteis de se libertar acalmaram-na um pouco. Os dois pequenos canos metálicos foram testados pelo operador da máquina. Um clique e ele aumentou de tamanho, tal qual uma vara de pescar retrátil. Outro clique e ele se retraiu. Foram inseridos entre os nervos do punho da menina. Ela apenas bufava por conta da dor enquanto pontos foram dados nos pulsos. O cirurgião disse:
— Tudo pronto para a inserção dos nano-robôs.
Cabos finos foram desenrolados e plugados nos novos orifícios que sobressaíam dos punhos de Mae. 
— Inserindo o sangue sintético — ele apertou um botão na máquina ao lado.
Assim que o líquido começou a perpassar pelo seu corpo, Mae teve convulsões. As veias estufaram de maneira sobre-humana, verde. O operador da máquina esquadrinhava todo o corpo da garota, conferindo por onde as veias verdes perpassavam, como se pudesse medir o tanto que seria suficiente.
— Inserindo cabo de evacuação de sangue para estabilizar o líquido do corpo.
O coração parecia que ia explodir no seu peito, mas o alívio veio com o plugue do cabo no braço esquerdo. Sangue começou a ser drenado por ali.
— Estabilizando. Processo de avermelhamento quase concluído.
Foram as últimas palavras do cirurgião que Mae ouviu, antes de perder a consciência.
Sonhou. Nele era como se não tivesse mais um corpo físico e pudesse acessar tudo o que tivesse vontade. Todos os lugares eram familiares, as pessoas, os tempos. Não podia se imaginar como um ser isolado, mas uma peça de um todo maior e incrivelmente útil. Era como se sempre soubesse; como se as respostas gritassem por atenção. Podia pegar qualquer uma.
Acordou num pulo. A respiração acelerada a cabeça doendo. Os olhos, o que havia com eles? Que sons eram aqueles? Vomitou. As respostas vinham imediatamente. O difícil era prestar atenção nelas. Mais uma onda de vômito.
— O que vocês fizeram comigo? Essas pessoas, esses lugares, tirem da minha cabeça.
— Bem-vinda, Mae Dickson. Agora você sabe...

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado pelo elogio e visita, Athayde. Seu olhar atento é sempre bem-vindo. Grande abraço.

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