28 de maio de 2015

Tomo VII - Meu filho


Antes de completar quinze anos, Mae teve enjoos, achou que estava doente. Um médico foi chamado para examiná-la e constatou que estava grávida. Nove meses depois, deu à luz a um menino que foi batizado de Raul. Logo que nasceu o bebê foi separado da mãe para ser criado e alimentado por um empregado de confiança de Madison. Mae protestou, queria pelo menos amamentar o seu filho, mas Ruben foi taxativo:
— Sua função não é cuidar de criança. Você é minha, o filho é meu.
— Não! O menino é meu filho! Pelo amor de Deus, deixe-me cuidar dele.
— Não é assim que as coisas funcionam! Percebe? Tenho outros quatro filhos e nenhum vive comigo. São todos meus! Estão todos na Tecelagem liderando os meus funcionários. O pequeno Raul tem sorte: será um dos chefes, mas mesmo assim, não passará de propriedade minha!
— Desgraçado!
Naquela oportunidade Ruben agrediu fisicamente a sua escrava. Não podia tolerar que ela o enfrentasse. Mae chorou o resto da noite sem saber se por conta do estado puerperal, por causa dos ferimentos físicos ou pela impossibilidade de amamentar o filho. Às vezes a tática aprendida com Jake não funcionava.
Foram dias difíceis (de novo). Dessa vez, no entanto, a tristeza não era em relação a si, mas por causa do rebento. Pobre Raul, jamais conheceria a mãe. Não precisava dela. Jake teve de reforçar seus conselhos. Numa noite, quando Madison havia saído para um evento na Tecelagem ele abordou Mae.
— Já faz alguns dias que você tem se alimentado pouco.
— Não quero comer. Quero morrer.
— Acha que uma criança que jamais lhe dará importância justifica o seu sofrimento?
— Ele é meu filho, Jake!
— Não, Mae. Ele não é nada seu. Você apenas o gerou para o senhor Madison. Todos nós somos dele, menina. Aceite e sofrerá menos.
— Não consigo, por Deus, que tento. De onde venho, as mães cuidam dos seus filhos.
— Não há de onde você vem. Não há nada além do que vivemos agora. Há você e eu, somente. O decorrer dos dias vai te ajudar a esquecer que um dia você foi mãe.
O velho amigo estava certo mais uma vez. Ninguém na casa mencionou algo sobre Raul nos anos seguintes e Mae esqueceu que um dia fora mãe. Mais experiente, quando sentia os sintomas da gravidez, pedia ao amigo que lhe providenciasse um remédio que resolvesse o problema. Nunca mais concebeu outra criança.
Aos dezoito anos, porém, quando já havia se habituado completamente à condição de escrava, conheceu algo que a fez reconsiderar os ensinamentos do negro amigo. Na verdade, tudo.   
Chovia torrencialmente em Runner, Mae estava à janela no segundo andar da mansão. Observava as ruas barrentas e os cavalos amarrados às pilastras de madeira do bar. Mais à frente os muros de ferro já enferrujados, cercavam o povoado. Os portões estavam fechados. Todos presos, mas seguros. Então, um barulho alto, as travas eletrônicas sendo desativadas. O alarme. Ela se aproximou mais da janela e pôde observar a abertura da grande cela que era Runner.
Ao invés dos prisioneiros deixarem o local, quatro cavaleiros adentravam rapidamente. Todos montavam cavalos que pareciam maiores do que os vistos por ali. Eram os quatro cavaleiros do juízo final atrasados? Estavam distantes, mas era possível constatar que vestiam o mesmo uniforme: um sobretudo e chapéu largo, negros.
Policiais de Madison saíram do bar atirando, mas os cavaleiros pareciam imunes as balas. Como era possível que se movimentassem tão rápido? Quando sacaram as armas e revidaram aos disparos inimigos não se viu um tiro em vão.
As batidas furiosas na porta dos seus aposentos tiraram Mae da janela. Ela correu para abri-la, era Jake.
— Vamos, temos que sair daqui — ele agarrou o braço da amiga. — O senhor Madison está lá embaixo. Vamos usar o caminhão.
Mae não entendeu nada do que fora dito, mas seguiu os passos apressados do empregado antigo. Quando ganhou a sala, observou que o amo estava apavorado.
— Minha escrava! — Ruben abraçou Mae com força. — Escute, mandei meus policiais para lutar com eles, mas temo que não possam vencer. Fiz isso para que ganhássemos tempo para fugir.
Ele tremia, observou a garota. Deu a ordem a Jake para abrir a porta secreta que dava à garagem do caminhão. Seguiram por ela. O próprio Madison resolveu conduzir o veículo. Jake e Mae vinham ao seu lado. Quando o transporte antigo ganhou as ruas de Runner, chamou a atenção dos quatro cavaleiros. Um deles atirou contra a condução. O projétil quebrou o vidro dianteiro e acertou a cabeça de Jake.
— Oh, meu Deus! — gritou Mae.
Madison pisou fundo, mas o caminhão atolou na rua seguinte. Quando lhe apontaram o revólver, abriu a porta e desceu com as mãos para o alto em sinal de rendição. Um pistoleiro abriu a porta do lado de Mae e ela desceu ainda apavorada com o que acabara de acontecer com o velho amigo. Ainda se ouvia disparos nas redondezas.
O homem de preto que rendera Ruben se aproximou. Revistou o prisioneiro e lhe retirou o revólver trinta e oito da cintura.
— Muito bem, o que faremos com ele, Damian?
O cavaleiro que estava do outro lado do caminhão, próximo de Mae disse:
— O filho da puta tem uma escrava. Estou tendo uma ideia, Bruce. Venha comigo, menina.
Damian puxou Mae pelo braço até o local onde Madison estava rendido por Bruce.
— Me dá essa merda — Damian pegou o revolver de Madison que estava com Bruce.
Analisou a arma, conferiu a munição e girou entre os dedos com agilidade.
— Vai servir.
— Servir pra que, Wayne? — disse-lhe o companheiro.
— Pra menina — ele estendeu a arma para Mae. — Tome, mate-o.
O revolver era pesado, Mae teve de segurá-lo com as duas mãos. O cabo frio, o cano longo.
Madison tentou argumentar:
— Não faça isso, garota. Eu te dei tudo. Posso te dar mais. Posso dar mais para vocês todos, o que me dizem?
— Acho que você não está entendendo o que está acontecendo aqui — disse-lhe Bruce.
— Eu tenho dinheiro! Podemos fazer negócio, cavalheiros.
Bruce suspirou. Começou:
— Você tinha. Viemos também para libertar estas pessoas.
Madison não pôde conter a gargalhada. Falou:
— Libertá-las? Quem são vocês, afinal? Revolucionários? Loucos?
— Bandidos — respondeu-lhe Bruce.
A desconfiança de Ruben de que estava sendo atacado por bandidos foi confirmada. Não fazia muitos dias que a capital havia emitido uma nota sobre quatro pistoleiros altamente habilidosos que invadiam as cidades e saqueavam-na.  
Damian chamou a atenção de Ruben.
— A menina vai te julgar.
— Por favor, Mae — Madison pediu clemência.
Por quantas vezes o amo havia lhe chamado pelo nome?
— Vai garota, não temos o dia todo — disse-lhe o pistoleiro que lhe havia entregado o revólver.
— Eu não sei se consigo.
— Escute, vai se sentir bem melhor se fizer — Wayne acendeu um cigarro.
— Eu devolvo o seu filho, Mae!
Aquelas palavras chamaram a atenção da menina. Então ela se lembrou de tudo que Ruben Madison lhe havia feito. Do quanto desejou silenciosamente uma chance para fazê-lo pagar. Observou a arma pesada em suas mãos. Levou ao rosto, num gesto estranho de afeição.
— Não, Mae. Poupe-me e te devolvo o nosso filho. Amanhã o enviarei para estudar em Liandra, mas ele ainda está aqui! Você poderá vê-lo, o que me diz?
Ela apontou desajeitadamente para Madison que não acreditava no que os seus olhos lhe mostravam. Com a força do indicador das duas mãos, puxou o gatilho. Fumaça, sangue e gritos de dor.
— Outro — ordenou Damian.
Os dois pistoleiros ficaram observando a menina. A expressão dela demostrava pena de quem agonizava. Bruce sacou o seu revólver prateado e grande. Atirou contra a cabeça de Madison.
— Pronto.
— Por que não a deixou terminar o serviço? — zangou-se Damian.
O outro desconsiderou a pergunta do comparsa.
— Ainda não acabamos aqui — e virou-se para deixar o local.
— Espere-me! — Damian correu na direção de Bruce.
Mae ficou ali prostrada de joelhos ainda com o revólver de Madison nas mãos. O que acabara de fazer? Deus, havia atirado em um homem! Aquele que lhe dera casa, comida e roupas. O dono de todas as pessoas de Runner. Jake também estava morto. O que seria de si? A menina chorou desesperadamente. O chão outrora barrento, agora estava tingido de sangue. Vento frio perpassava pelas ruas vazias enquanto a menina se desfazia em lágrimas.  

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