18 de fevereiro de 2015

La Bandida: Começando pelo fim (de novo)


Quanto tempo? Não era possível dizer com certeza, afinal de onde se encontrava não conseguia distinguir dia de noite. O fornecimento de comida não obedecia uma ordem, apesar de longo. Sabia que era pouca para sua estatura. De certo, para prolongar o sofrimento, mas não se deixaria abalar. O seu nariz arrebitado não se abaixaria; os seus olhos grandes e negros não expressariam a humilhação. Seu cérebro moldado não admitia perturbações, por mais que suas condições físicas fossem adversas. Dessem-lhe um revólver e uma bala e estaria salva. 
Em pé, com as costas sobre o fundo da cela ela observava a porta de ferro. O traje, um saco estopa aberto no fundo para transpassar a cabeça e cortado na altura dos braços, de fácil manuseio aos guardas que zelavam pela cadeia. Arisca, arredia, xucra, tantos outros adjetivos carinhosos que lhe pertenciam, tiveram de ser deixados para trás. Não era prudente reagir ali. 
O som das trancas já era esperado por causa do barulho dos passos.  O visitante não. 
— Deus, o que fizeram com ela? — indagou consternado o homem de batina ao fitar a prisioneira.
Além de desnutrida a mulher que era mantida presa, tinha feridas nos ombros, joelhos e cotovelos. De vários tamanhos e em vários estágios de cicatrização. O rosto, exceto pelos lábios secos e rachados, se mantinha em ordem, assim como os compridos cabelos negros. Algumas costelas tinham se rompido quando levou a primeira surra, mas já havia passado tanto tempo que acreditava ter se curado.    
— Reverendo, e o que ela fez a muitos homens? — respondeu-lhe o guarda que abria a cela. 
— Que Deus tenha piedade dela e de nós. 
O religioso pediu licença ao soldado e aproximou-se da prisioneira. Ela se afastou, ligeiramente. Pediu para que não tivesse medo, pois estava ali para conceder-lhe o perdão divino. Que tudo acabaria naquele mesmo dia. 
Um revolver e estaria salva, não Deus. Quando o padre terminou suas orações e se dirigia para a saída do cubículo prisional, ouviu:
— Ei padre ainda hoje meterei uma bala na cabeça de Roland Morrison. 
O religioso suspirou e deixou o local. Imediatamente adentraram no recinto dois guardas para conduzir a prisioneira ao enforcamento. 
— Não batam. Também não há tempo para gracinhas — disse um terceiro que ficou à porta. 
Eles agarraram a mulher e a algemaram. Cada qual de um lado forçou o movimento. As pernas da prisioneira vacilaram por algumas vezes e um dos soldados deu-lhe uma joelhada nas costelas. Ela não tinha força para gemer. 
— O chefe disse pra não bater. 
— Fica na sua. Acha que ele mesmo não vai se despedir dela? 
— Não importa o que eu acho. Vamos acabar logo com isso. 
Conduziram-na pelos corredores da prisão e pararam na sala principal da delegacia. Ali, atrás da mesa e com uma estrela amarela do lado esquerdo do peito estava Roland Morrison.
— Olhe só para você. Meus Deus, como está linda! — sorriu o xerife. 
A mulher manteve-se silente, mas os olhos expressavam fúria. Suas duas mãos vinham algemadas, voltadas para trás. Os homens da lei ainda ficavam ao seu lado.
— Mae, Mae, percebeu que não é bom negócio ficar no meu caminho?
Mae Dickson, abaixou os olhos. Não era prudente demonstrar descontrole.
— É verdade que tem mais Bandidos rondando Neo Texas? 
Aquela pergunta do xerife Morrison ajudou-lhe a acalmar. O efeito foi contrário nele.  
— Responda, porra! — Ele se levantou após socar a mesa com o punho.
A prisioneira disse: 
— Eu e você aqui e agora, o que acha? 
Roland sacou o seu revólver e apontou para Mae, recuperando a tranquilidade abalada a pouco. 
— É isso que você quer? Quer colocar a mão em um cabo de revolver e salvar o mundo? O mundo está salvo, Mae. Eu o salvei, estou salvando de pessoas como você. 
— Eu só quero te matar. 
— Todos querem — o xerife girou a arma entre os dedos e a depositou no coldre. 
Mae tentou dar uma cabeçada no inimigo, mas foi contida pelos guardas. Morrison revidou á tentativa de agressão com um soco direto no nariz da prisioneira. O sangue mancha o seu precário vestido de saco.
— Oh droga. Você deve estar apresentável para a execução. Cuidem do nariz e depois levem-na à cozinha. Estão preparando sua última refeição. 
O sangramento estancou alguns minutos depois, mas foi desconfortável para Mae saborear o que havia pedido na noite anterior como última refeição. Arroz, feijão, carne de porco e salada de alface. Poderia repetir quantas vezes quisesse, mas se limitou a uma única vez, bem caprichada. Por volta das treze horas em Neo Texas era conduzida à execução. 
Os mesmos policiais fizeram o trabalho de colocá-la a forca da praça central. O local comportava muitos curiosos. Alguns repórteres registravam o evento em suas cadernetas e outros, luxuosos, através da máquina fotográfica de filme. Morrison que já estava na plataforma de execução acenava para todos os flashes barulhentos. 
Ele tomou a palavra quando Mae já se encontrava em cima do caixote de madeira velha e com a corda em volta do pescoço.
— Povo de Neo Texas, é com muita alegria que estamos aqui hoje para cumprir a condenação de Mae Dickson. Antes, contudo, gostaria de ponderam sobre o entendimento que muitos possuem da palavra que sempre acompanhou a prisioneira em sua carreira criminosa: Bandida. Atualmente tem-se a impressão de que bandido é o termo usado para caracterizar aqueles que não concordam com o governo, mas em tempos remotos o termo era usado para denominar quem cometia crime. Não se enganem, o conceito continua sendo o mesmo e é por isso que Mae está sendo condenada a morte. Ela cometeu diversos crimes, todos sabem. Matou muitas pessoas e roubou diversos bancos.
Ninguém ousou contrariar o xerife. Ele continuou:
— Mae é a primeira. Em breve todos os Bandidos serão enforcados para o bem comum da população de Neo Texas e de todo Novo Oeste.
A população bateu palma, contrariada. Roland sorriu e se aproximou de Mae. Encostou os lábios na orelha da prisioneira e disse-lhe:
— Vá para o inferno — e deu um chute no banquinho que impedia o estiramento completo da corda amarrada ao pescoço de Mae. 
     

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