20 de agosto de 2014

Max e os Felinos de Moacyr Scliar

 

O menino e a fera originalmente falando

Max e os Felinos é obra do saudoso autor Moacyr Scliar, cuja notoriedade se deu palo fato de supostamente ter sido plagiado por Yann Martel em seu Life of Pi. A comparação das duas histórias se tornou inevitável pelo fato de em ambas o leitor se deparar com a seguinte situação: um bote à deriva contendo um garoto e um felino de grande porte. Já resenhamos “As Aventuras de Pi” e você pode conferir a postagem aqui. Agora é a vez de “Max e os Felinos”.

Max é um menino alemão, filho de um rígido comerciante. Na loja da família há um tigre abatido por seu próprio pai em uma de suas caçadas e empalhado como troféu. O garoto é fascinado pelo animal que mesmo morto ainda é assustador e incrivelmente bonito. Enquanto aprende a lidar com o fascínio e medo que tanto o tigre como a vida exige, Max vivencia um período delicado da Alemanha: a ascensão nazista. O protagonista também se envolve com uma mulher mais velha, Frida com quem é iniciado na arte do amor. Junto dela que é esposa de um nazista e de um amigo crítico ao regime de Hitler, ele acaba se vendo na mira do regime. Tudo é muito rápido, a traição de Frida é descoberta, sua família está sendo ameaçada, ele próprio não tem muitas alternativas. Max acaba fugindo da Alemanha para preservar a sua vida e a dos que ama. O seu destino é o nosso Brasil, mas um terrível naufrágio acontece na viagem, colocando o menino em um bote junto de um perigoso jaguar. O cargueiro transportava animais de circo que desembarcariam no Brasil.

Este é o ponto no qual a ideia usada em Pi parece ter origem, embora as histórias se desenrolem de forma diferente. Advirto que o texto a partir de agora pode revelar parte importante do enredo do livro e aconselho quem quiser manter a curiosidade a interromper a leitura. Em Max e os Felinos o protagonista chega ao seu destino e a história continua após o incidente com a fera. Obviamente tal situação, unida ao seu passado traumático (a saída prematura da sua cidade natal e o abandono da sua família) marcou-lhe profundamente. Paranoico? Maníaco? Amedrontado? Max jamais esqueceu o que aconteceu e suas marcas deram-lhe as condições para que agisse da forma que agiu no fim da história.

Em Max nos deparamos com um enredo voltado aos problemas sociais; à política, ao autoritarismo, ao “belo e perigoso”, aqui representado ora pelo tigre empalhado, ora pelo jaguar vivo e faminto. Crítico sutil, pertinente e incisivo nos assuntos que não se podia tratar livremente, já que vivíamos o período da Ditadura Militar, o nosso próprio jaguar a solta da época. Inteligente e maduro, Scliar não se preocupa em narrar em detalhes o que de fato ocorreria se um menino permanecesse com um jaguar perdido na mar. Sua atenção está voltada ao efeito psicológico que tal situação teria. Este efeito também não é da simples loucura como narrado em Pi. Trata-se de algo mais denso que entendo como metáfora ao cenário social vivenciado entre governantes e governados.

Simbólico em muitos pontos, peço licença para listar um, o dos peixes, no qual Max divaga sobre sua posição de pescador, cuja finalidade é a única de manter o jaguar alimentado para que não venha a comer-lhe. Mesmo faminto e na posse do peixe, o jovem não pode se alimentar, já que todos os peixes são da fera. Curioso é que mesmo saciado o felino não permite que Max se alimente. Que animal cruel é este que apesar de satisfeito ainda não permite que os outros se mantenham vivos? Que anima é este que sempre quer mais? Que animal é este que permite ao bicho mais fraco viver constantemente em perigo de morte imposto por sua presença assustadora ou pela fome? Seria mais justo que o jaguar lhe tirasse a vida de uma vez…

Moacyr Scliar tem propósito distinto de Martel, embora ambos usem a mesma imagem para chamar a atenção do leitor. Enquanto Max é compatível com um cidadão fragilizado pelo Estado, Piscine não passa de um religioso em dúvida do que é certo e propenso ao fantástico. Neste sentido, a saga de Martel abusa muito mais dos detalhes de um naufrágio e da situação peculiar da fera e o barco do que Scliar, deixando claro que uma ideia foi lapidada aqui. 

Resumindo, Max e os Felinos é mesmo o primeiro cenário para um animal selvagem e um garoto dividirem o bote no meio do oceano. Entretanto, sua abordagem é distinta do cinematográfico Life of Pi que tem seus méritos. Moacyr dá o seu recado em poucas páginas e trabalha muito bem o subentendido; o não dito, tornando Max e os Felinos um livro que não termina. Leitura recomendadíssima.

Fica a resenha, a sucinta comparação e a dica.

Abraço.

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