19 de fevereiro de 2010

Crônicas de Ester: A Recordação de Miranda


— Oh, Deus! Como estou bonita! – Miranda olhou para o rosto refletido nas águas do córrego que encontrara pelo caminho que resolvera seguir. O sul, como seu companheiro havia sugerido.
Os cabelos antes mal cuidados, presos num prático “rabo de cavalo”, agora estavam soltos, intensamente brilhantes e lisos; de coloração castanha, claro. Olhos de mel que sempre tivera, atualmente pareciam duas pedras amarelas, ao passo que as maçãs do rosto se encontravam levemente rosadas. As imperfeições causadas por espinhas tinham desaparecido completamente. Seus lábios, que esticavam num belo sorriso, tinham se tornado carnudos e belos.
José Mendonça, seu companheiro lhe indagou:
— Algum problema?
— Agora me recordo! — Miranda levou sua mão ao rosto ao mesmo tempo que sua mente lhe arrebatava para o pretérito.

Teve medo. Ela não queria, sabia! Não desejava morrer; não assim; não ali. Havia tanto para ser consertado, tanto... Mas o que havia chegado ao fim era o tempo. Tinha esvaziado sua ampola temporal por vontade própria:
— Droga — disse baixo, num sussurrou.
Ninguém a ouviria, ali trancada. O frasco que portava em sua mão tornou-se pesado demais e caiu se espatifando contra o piso frio de seu dormitório. Ela tentou impedir a queda do frasco, mas não pôde. Ao invés, caiu com seu corpo pesado no chão forrado por cacos.
A respiração se tornou difícil, a vista turva. Não souber precisar o que estava vendo; se era um sonho ou se estava morrendo:
— Boa noite! — Ouviu essas palavras enquanto um coturno negro se fazia em sua frente.
As palavras pareciam vir acompanhadas de um vento frio. Miranda não conseguiu responder e nem acreditou que aquilo fosse real. O veneno que havia tomado já estava lhe causando alucinações. A voz continuou:
— Um desejo! Peça uma felicidade final, você tem direito!
Os coturnos se afastaram um pouco e mudaram de posição. Estavam com os cadarços soltos quando deram lugar ao joelho pálido que tocou o piso. Então Miranda viu a face de quem lhe falava: os cabelos cacheados escorriam pelos cantos de toda aquela cabeça e seus olhos eram totalmente negros, inexistia íris. O sorriso daqueles lábios negros causou-lhe arrepio:
— Peça, menina!
Mas Miranda não tinha forças.
— Quer falar e não consegue, não estou certa? É que falas com a boca e não com a alma! Pense no desejo! Pense no que quer saber e eu lhe responderei!
A dama estranha se sentou e encostou-se à parede rosa do quarto de Miranda. Suspirou:
— Eu sou Morte! – Morte tinha respondido à pergunta inicial feita pela adolescente que agonizava.
Continuou respondendo:
— Se você vai para o inferno por ter cometido suicídio? Bem, o inferno é um estado de espírito e vai depender muito de você – Ela deu de ombros — Quer saber que horas são? — A guia de almas fitou seu pulso que não continha qualquer relógio – Data do óbito: 14 de fevereiro de 2010. Hora: daqui a dez minutos.
Morte acendeu um cigarro e baforou a fumaça:
— Adoro cigarros! Se pode pedir qualquer coisa? Não! Não se pode pedir ressurreição! Nem voltar no tempo!
Um corvo negro adentrou pela janela naquele momento e pousou perto de Miranda. Morte acariciou o animal e disse:
_ Ele é a sua culpa! Você vai morrer com ele!
Tudo parecia muito estranho para a adolescente que tinha tentado se matar. Não sabia se estava alucinando, se estava mesmo morrendo ou se sonhava. Aquele corvo grande que agora era acariciado por aquela mulher estranha que dizia ser a Morte, era definitivamente a confirmação de que as coisas não estavam normais.
— O desejo? Ah sim, voltemos ao desejo! — Morte apagou seu cigarro no piso.
Por um segundo assimilou o que Miranda tinha lhe pedido e depois disse:
— Isto é possível! Então, eu concedo a Miranda Albuquerque a sua felicidade final. Depois da alegria final causada pelo desejo eu a declararei morta!
Um trovão clareou a janela aberta.

Um comentário:

  1. comapanheiro -> erro de digitação
    — Peça menina! -> vírgula faltando


    Paul, que capítulo sensacional!! É sem dúvida o meu preferido até agora. Deve ser porque gosto de coisas trágicas; então foi emocionante acompanhar os momentos finais de Miranda.

    Não compreendi muito bem como ela se matou. Ela se envenenou e depois derrubou o frasco?

    Teria José cometido suicídio também, e a fazenda em que estavam seria um lugar onde os suicidas são aprisionados?

    Estou ansiosa para ler mais sobre esses personagens!

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