27 de janeiro de 2010

Crônicas de Ester: Miranda


O barulho da água tocando algum tipo de metal ou louça, não se sabia até então, trouxe Miranda de volta do inconsciente. Seus olhos piscaram por algumas vezes durante a volta da consciência, ao mesmo tempo em que sua mente deduzia que aquele barulho, vinha da chuva que estava caindo do céu.
Ventos gelados adentraram pela janela de madeira apodrecida quando Miranda se colocou sentada naquela cama envelhecida. Queria saber onde estava, foi seu primeiro pensamento. Posteriormente, sua curiosidade lhe levou até a janela donde fitou a garoa cair sobre a terra empoçada. Cheiro de terra adentrou pelas suas narinas quando ela fitou lá em baixo um amontoado de pratos, talheres e xícaras, agora ensopados pela chuva:
— Foi isso que me acordou! O barulho da água nos pratos! – Abraçou seus ombros tentando se proteger do frio.
Miranda resolveu sair daquele quarto e procurar algum conhecido nos outros cômodos daquele estranho casebre. Depois da porta pintada de verde-abacate, a menina notou que havia uma escada de poucos degraus que não continham corrimão. Descendo pela escadaria que rangia a cada passo, a menina atingiu um saguão de piso de madeira e de sofás de bambu:
— Pai? Mãe?
Mas ninguém lhe respondeu. Andou mais um pouco e depois de passar por um portal largo chegou até a cozinha. Ali, Miranda pôde perceber que não havia geladeira, tampouco fogão a gás. Nem mesmo um micro-ondas. Onde estava afinal?
— Fervi o leite esta manhã! Deve estar frio, mas eu posso esquentar! – Uma voz rouca e baixinha se fez para assustá-la:
— Que susto – Ela se virou – O senhor quase me matou do coração! Não ouvi os seus passos!
O velho sorriu. Era um senhor de baixa estatura, de barriga saliente e de pele muito clara. Os cabelos despenteados grisalhos passavam pelas suas orelhas grandes. Não eram compridos e nem curtos, mas davam a impressão de que precisavam ser cortados. Os olhos pequenos e emoldurados por rugas eram castanhos e seu rosto largo era coberto por barba rala embranquecida.
— Chamo-me José Mendonça! – Disse ele.
— O meu nome é Miranda Albuquerque.
— Eu sei.
— Meu pai, não foi? Ele te contou!
— Não. – Sr. José se aproximou do fogão à lenha e tocou o canecão de leite para conferir sua temperatura – Está quente ainda!
— Onde eu estou?
— Você chegou ontem. Eu estou aqui faz mais tempo.
— Mas que lugar é este?
— Eu não sei também! Um dia qualquer eu adormeci na minha casa e acordei aqui. Ontem eu vi que alguém é que me trouxe, porque vi esse alguém trazer você!
— Esse alguém não falou com o senhor? E o senhor não quis saber como voltar para sua casa?
— Esse alguém colocou você para dormir no quarto e quando fui conversar, ela colocou o dedo nos lábios pretos e fez o sinal de silêncio. Por algum motivo que não sei bem, eu não disse nada.
— Só pode ser algum seqüestrador, Sr. José! Ele seqüestrou o senhor e depois a mim!
— Será?
— Mas é claro! – Miranda foi até a janela da cozinha e abriu – Esse lugar deve ser algum sítio afastado! Por certo deve haver cercas altas ou bandidos vigiando as saídas!
— Deve ser uma seqüestradora então...
— Mas eu não vou ficar aqui! Darei um jeito de voltar para minha casa!
— Miranda, espere! – Sr José andou atrás da menina que ia até a porta para deixar aquele casebre – Tome o seu leite primeiro!
Miranda não deu atenção ao que o Sr. José havia dito. Ao invés pegou-o pelo braço e lhe arrastou para fora da casa. Quando pisaram na área do casebre, imediatamente a chuva cessou:
— Que bom! Sem chuva fica melhor para procurarmos pela saída! – A adolescente continuou sua caminhada para fora da área.
— Mas menina! Devagar! Eu sou idoso, não posso te acompanhar nesse passo!
Só que a adolescente tinha pressa em deixar aquele local estranho. Totalmente convencida de que havia sido raptada, emaranhou-se entre aquelas árvores sem um destino preciso. Seguindo em frente, encontraria a saída.
Miranda não tinha se dado conta de que estava sem sapatos e os galhos secos que forravam o chão machucavam seus pés. Caminhava desajeitada ao lado do Sr. José Mendonça até que encontraram uma porteira de madeira esverdeada:
— Aqui deve ser o fim do sítio que estamos presos! – Disse Miranda ao se aproximar da porteira – Vamos pular por ela e procurar ajuda! – Ela colocou o pé em uma das madeiras da porteira para galgar, quando uma força estranha a arremessou para trás.
A menina ficou ali no chão assustada. Nunca havia sentido aquela sensação. Era como se alguém a tivesse grudado pela cintura e a jogado!
— Já ouvi falar dessa porteira – Sr. José se aproximou da estranha passagem bloqueada.
Miranda se sentou, ainda tentando entender o que lhe havia acontecido:
— Não é possível! Alguém me agarrou pela cintura e me jogou com força de cima da porteira!
— É um Espírito que está aí. – Sr. José disse calmamente. – Se ele não nos deixar passar, não há como sair por aqui.
— O senhor deve estar brincando! Espíritos não existem!
— Melhor a gente procurar por outra saída. Por essa porteira não poderemos passar. Só se convencermos o Espírito a nos deixar passar...
— Não acredito nessas coisas! – Miranda se levantou decidida e foi até a porteira para tentar pular mais uma vez.
Mas como da primeira tentativa, ela foi arremessada com violência para trás. O Sr. José se aproximou devagar e a ajudou a se levantar:
— Vamos para o sul agora...

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