16 de dezembro de 2009

Crônicas de Ester: Lucas


Fosse aquela situação a mais desesperadora possível, o rapaz não se deixava abater. Tinha calma, sabia pensar, sempre soubera, eram suas qualidades. Afinal, ele próprio quis estar ali; quis vir ao encontro de seu destino. Lucas tinha total consciência de que havia dado causa àquela situação:
— Duelo? Mas como funciona isso? – Disse ele ao soldado de farda esverdeada á sua frente – Eu não sei nada sobre isso que você acabou de dizer!
— Ora, mas de que buraco você saiu? – Indagou-lhe o soldado robusto – Todo bom homem conhece as leis de duelo! Ainda mais agora... em tempos de guerra.
— Perdão! É que eu não sou daqui.
— Bem... de onde você vem, não importa! O que importa mesmo é o duelo, então vamos a ele! Para seguir seu caminho, deve me vencer! Do contrário não poderá passar!
— Como funciona um duelo? – Lucas quis saber.
— É simples! Encostamos nossas costas e damos dez passos para frente. Aquele que depois dos dez passos for mais ágil em sacar sua arma e atirar no outro, vence o duelo!
— Mas o que receber o tiro não vai morrer?
— As vezes sim, as vezes não.
Aquela esquisitice já era recebida com tranqüilidade por Lucas:
— Mas eu não tenho arma!
O soldado suspirou. Era um homem forte de algumas rugas na cara e de rosto limpo. O quepe verde de aba negra cobria-lhe a cabeça ao passo que a farda verde contornada por uma faixa branca tapava-lhe o peito:
— Te empresto a minha, está bem? – Disse o soldado.
Lucas assentiu.
O soldado passou para o jovem seu rifle polido:
— Faremos agora com lhe expliquei! Conforme, as regras de duelo!
Encostaram então suas costas e contaram dez passos. Quando se viraram, o soldado foi surpreendido:
— Mãos ao alto! – Lucas o ameaçou! – Vamos! Senão eu atiro!
— Mas que droga! Emprestei para você a minha arma e fiquei sem!
— Vamos! Tire a sua roupa! – Lucas ordenou de arma em punho.
O soldado contrariado obedeceu. Tirou sua farda verde, seu cinturão de couro branco que continha sua espada pendurada; sua calça branca e suas botas pretas:
— O quepe também! – Disse Lucas. – E as luvas!
— Está bem! Mas não atire!
Com a vestimenta toda depositada no chão, o soldado ficou apenas com suas roupas de baixo. A pesar da vergonha ficou até aliviado quando Lucas lhe ordenou que corresse dali. Que se voltasse, ele o mataria. O soldado quase pelado sumiu no horizonte depressa e Lucas aproximou-se da farda caída:
— Agora vou me vestir de soldado e não terei mais problemas com outros militares! Poderei andar livremente por essas terras!
Ele retirou a sua roupa e vestiu-se de soldado esmeralda. Seus cabelos compridos foram cobertos pelo quepe verde e seus ombros largos agora eram protegidos pela farda de couro verde. As mãos agora tinham sido cobertas por luvas brancas, ao passo que os pés com as botas de couro preto. Sua calça era agarrada ao corpo e tinha a coloração branca.
Lucas sorriu satisfeito. Ele era um jovem magro de pele clara e olhos castanhos. O rosto sem espinhas e barbas era fino e seu nariz um pouco arrebitado. Como alça de mochila, colocou a tira de couro de seu rifle nas costas e seguiu seu caminho.
Caminhando tranqüilo pelas estradas de terra batida daquela região, Lucas ia sendo acompanhado de cima pelo sol quente. A estrada reta tinha suas bordas protegidas por mourões e arame em farpado. Antes daquela estrada, ele havia passado por um vale todo gramado. No fim do gramado foi que Lucas encontrou o soldado de quem pegara a farda esmeralda. O soldado tinha lhe dito que estava ali para vigiar a divisa; que para adentrar naquelas terras, só vencendo-o, pois ninguém tinha autorização para estar ali.
— O dono dessas terras, por certo é um pessoa muito malvada! - Lucas disse a si mesmo.
E continuou sua caminhada até que sua estrada reta desembocou numa pequena vila. Havia cerca de cinco casas e uma igreja ao centro. Na porta dessa igreja, Lucas notou uma aglomeração de pessoas. Aproximou-se cauteloso para ver o que estava acontecendo quando uma mulher em pratos lhe abordou:
— Oh, meu soldado! Chegou tarde à nossa vila! Ela já não vive mais! Nossos inimigos estiveram aqui noite passada, você sabe, os soldados de amarelo! Eles saquearam todas as nossas casas e mataram Victória!
Lucas tentou manter o seu recente disfarce de soldado:
— Lamento, minha senhora! Só soubemos esta manhã do acorrido.
_ Venha ver minha filha agora que não vive mais! Venha vê-la para constatar a maldade daqueles homens de amarelo! – A mulher em pranto pegou Lucas pelo braço e o levou até o caixão da filha.
O caixão repousava em uma mesa de cedro coberta por flores e as pessoas em sua volta pareciam rezar. Lucas se aproximou e estranhou aquela defunta. Ela parecia corada demais para quem estivesse morta. Victória tinha os cabelos longos e castanhos claros. Eram muito lisos e estavam bem penteados. O rosto branquinho e os lábios grossos, ao passo que a sobrancelhas eram largas; parecia dormir. Para tirar da sua cabeça que ela podia estar viva, Lucas retirou uma de suas luvas para checar a temperatura do corpo:
— Mas ela está quente! Acho que não está morta!
Exclamações se fizeram em toda a volta do falso soldado e ele continuou:
— Se bem que o sol está muito quente...
A mãe da menina deu a idéia:
— Cheque o pulso! Veja se consegue ouvir o coração dela!
— É uma boa idéia!
Lucas descruzou o braço de Victória e constatou sua pulsação. Para o seu pasmo ele percebeu que o coração da menina estava batendo:
— Ela esta viva! O coração está batendo! Vamos! Tirem a moça desse caixão! Como vocês não perceberam que ela não estava morta?
O religioso que puxava a reza tomou a palavra:
— Ontem, a menina Victória foi baleada na barriga e não resistiu ao ferimento, tenho certeza! Eu mesmo constatei que ela estava morta, estirada na areia, perto da igreja!

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